A História dos Sistemas de Crenças
Do livro Vivendo Deliberadamente, de Harry Palmer
A História da civilização é a história das crenças originadas ou adotadas por indivíduos influentes. Cada movimento político, cada religião, cada filosofia tem o seu início na expressão convicta de uma única crença.
Essa crença inicial é provavelmente colocada como um comentário espontâneo. Quanto mais atenção é atraída por ela, mais frequentemente ela é repetida. Mantenha distância do tigre ou ele pode tentar comê-lo.
Quando a crença é repetida, difunde-se e adquire o estatuto de conhecimento. Como conhecimento, ela pode ser usada para dar suporte a novas crenças. A selva não é segura. Porquê? O tigre habita lá.
Assim surgem os sistemas de crenças – conjuntos de conhecimento.
Os sistemas de crenças parecem ser um processo evolutivo natural, mas eles surgem de uma situação que necessita duma solução ou eles criam uma situação que precisa de uma solução? A selva é perigosa devido ao tigre ou por causa das crenças sobre os tigres? As expectativas colocadas sobre os tigres comunicam uma sugestão não verbal sobre a forma como eles deveriam comportar-se? Há uma comunicação de bastidores entre as criaturas que coreografam as suas interações de acordo com alguma determinação de expectativas criadas pelas suas crenças?
Infelizmente, antes que a população em geral tivesse uma oportunidade de fazer essas perguntas, alguém descobriu que os sistemas de crenças eram valiosos. Desde que as pessoas sentissem necessidade deles, eles poderiam ser trocados por comida, abrigo ou segurança. Como-Lidar-Com-Tigres (ou algo análogo a tigre, tal como, cobras, fome, depressão, morte, etc.) era um valioso sistema de crenças, desde que se pudesse contar com o tigre para cumprir o papel de predador perigoso. Adotar políticas de atirar-à-primeira-vista ajudou a eliminar os tigres mansos que não estavam a cumprir o seu papel.
Com o passar do tempo, certos indivíduos, famílias, tribos e finalmente até mesmo organizações governamentais desenvolveram um forte interesse oculto em enaltecer certos sistemas de crenças. Em muitos casos, os sistemas de crenças transformaram-se na base da sobrevivência económica de grupos. A venda dos sistemas de crenças (ou o estatuto social obtido pelo dom de sistemas de crenças) transformou-se no objectivo da fundação de grandes organizações. Nasceram as religiões proselitistas. Apareceu a cobrança de impostos que os organizados exigiam dos não organizados. Arquitetura, arte e ciência evoluíram ao serviço dos crentes fiéis.
Para assegurar a sobrevivência e a prosperidade de uma organização, o equilíbrio cuidadosamente administrado entre “os tigres” e “as soluções para os tigres” teria que ser mantido. Soluções que eram muito efetivas requeriam a criação de problemas mais desafiantes e por isso, mais lucrativos. Novas crenças resultantes em enfermidades, fome e inimigos humanos fatais substituíram o nosso medo do tigre.
Eclodiram guerras de crenças. Quando um grupo via o seu poder e influência obtidos através dos seus sistemas especiais de crenças serem corroídos pela introdução de sistemas de crenças concorrentes, os seus jovens eram dolorosamente doutrinados com as crenças do grupo e transformados em exércitos. Qualquer estudo detalhado da história revelará uma dificuldade inicial entre crenças (uma discussão!) como o principal fator de conflitos neste planeta.
Raramente as guerras tiveram a finalidade de verificar quais crenças criariam as melhores experiências, elas eram mais uma competição para determinar quais crenças (como legado) sobreviveriam. No fim, o correto de uma crença era determinada pela ferocidade dos seus seguidores.
A ironia da guerra foi que civilizações inteiras lutaram para preservar sistemas de crenças que resultaram em auto-opressão e acarretaram maior autodestruição do que as armas mais mortais dos seus inimigos. O fascismo surgiu.
Crenças foram glorificadas. A educação compulsória doutrinou forçosamente gerações inteiras com crenças. Crenças cresceram em importância até que se tornaram mais valiosas que a vida. Qualquer membro que não lutasse e arriscasse morrer pelas crenças do grupo era considerado um cobarde.
Não houve desumanidade maior do que a luta travada em nome da “crença verdadeira”. Nenhuma clemência era possível quando pessoas lutavam por uma crença sagrada. Nenhuma piedade era demonstrada ou esperada de um homem que estava convencido de que a honra da sua família, a honra do seu país e talvez a salvação de sua própria alma dependiam da destruição dos inimigos com “crenças erradas”. Quanto mais sangue fosse derramado devido a uma crença, mais sagrada e contagiosa ela se tornaria para as futuras gerações.
Mais de uma vez, crenças sobre pátria, sobre Deus e sobre necessidades económicas forneceram as justificativas para as guerras mundiais, que têm deixado tanto as civilizações dos vencedores, como as dos derrotados, em cinzas.
Tolerância talvez esteja entre as lições mais importantes jamais ensinadas.